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  • Dr. José Roberto Costanza

A PÁSCOA CRISTÃ: RAÍZES E TRADIÇÕES




O que determina todo o calendário eclesiástico da Igreja é a Páscoa Cristã, conforme foi instituída no Concílio de Nicéia (325), que se reuniu com o propósito principal de discutir a doutrina da Trindade. À época, as seguintes variáveis foram consideradas, com base no Antigo e no Novo Testamento: A estação do ano (Equinócio de Primavera no Hemisfério Norte), a fase da Lua (Lua Cheia) e o dia da semana (Domingo). As duas primeiras variáveis têm a ver com a instituição da Páscoa Judaica, conforme o contido em Êxodo, capítulo 12. A última está vinculada à ressurreição de Jesus. Assim, ficou decidido que a Páscoa seria comemorada no primeiro domingo após a Lua Cheia depois de 21 de março. Portanto, os limites da Páscoa são 22 de março e 25 de abril.


Antes da Páscoa tem início a Quaresma, um período de jejum e oração instituído a partir do século IV da Era Cristã (também em Nicéia), como uma espécie de preparo para o batismo, que geralmente acontecia na Páscoa. O nome Quaresma significa literalmente quarenta dias, número evidentemente sugerido pelos jejuns de Moisés, Elias e especialmente do Senhor Jesus. O tipo de Jejum observado na Quaresma variou ao longo do tempo. A princípio, somente uma refeição era servida ao dia (normalmente ao anoitecer) e nela não se comia carne, e, em alguns lugares o consumo de leite e seus derivados eram absolutamente proibidos. Essa proibição do consumo de carne é possivelmente originária de certas religiões orientais que acreditam que maus espíritos podem habitar o corpo de animais. Ora, estando o homem fraco por se alimentar somente uma vez ao dia, ele poderia ser tomado por um espírito imundo caso consumisse uma “carne contaminada”. A partir do século IX, a hora da única refeição foi sendo antecipada, chegando, à época da Reforma, ao meio-dia. Do século XIII em diante, uma refeição leve à noite passou a ser admitida, assim como passou a ser tolerado o consumo do leite e derivados.


Os protestantes não rejeitaram, de imediato, a Quaresma e suas práticas litúrgicas e de restrições alimentares. Quando eu era jovem, por exemplo, não se comia carne na Semana Santa.


A Quaresma sempre começa em uma quarta-feira, e, pela tradição da Igreja, os fiéis nesse dia, após ou não uma procissão, recebem uma marca feita pelo vigário (padre) em sua testa com as cinzas do Domingo de Ramos (uma semana antes da Páscoa) do ano anterior, data em que se encerra a Quaresma. Como a Igreja sempre teve uma tendência sincrética, houve uma aproximação natural de uma festa pagã (festa da carne/carnaval) com a "terça-feira gorda", ocasião em que as pessoas comiam até se fartar (daí o nome gorda), inclusive carne, que, pelo menos nos primeiros séculos, deveria ser evitada na Quaresma.


Portanto, não há qualquer relacionamento entre o Carnaval e o Calendário Litúrgico da Igreja Cristã, a não ser através de aproximação sincrética, muitas vezes tolerada.

A história dos ovos de páscoa e dos coelhos é relativamente longa e interessante. Há registros de que no Egito e na Pérsia os ovos eram considerados símbolos da fertilidade e, pintados, eram dados de presente nas comemorações do inicio da primavera.


Como visto, a Páscoa cristã foi relacionada ao Equinócio de Primavera, em Nicéia, 325 d.C. Considerando que, pelo menos inicialmente, a comemoração maior era referente à Ressurreição de Jesus; e, considerando, que ressurreição lembra nascimento, por sincretismo, houve uma natural aproximação entre ovos e Páscoa. Os cristãos primitivos da Mesopotâmia foram os primeiros a usar ovos coloridos na Páscoa.


Na Alemanha Medieval, a tradição cristã da Páscoa como a festa da ressurreição de Cristo, em que a morte não é vista como o fim e sim como o começo de uma nova vida, está ligada a elementos da mitologia germânica. O próprio termo alemão relativo à Páscoa, Ostern, deriva de Ostara, a deusa germânica da primavera. Desse radical germânico surgiu Easter, páscoa em inglês. Ostern é a primeira das grandes festas germânicas da primavera, representando a vitória do sol aquecedor sobre as trevas e o frio do inverno, a vitória da vida sobre a morte, lembrando a ressurreição de Cristo.


O costume de se procurar os ovos de Páscoa no jardim também estaria baseado na crença dos germanos e de outros povos antigos de que o ovo é o símbolo da fertilidade e da nova vida em crescimento.


O coelho, símbolo de fertilidade na mitologia grega, é o animal sagrado atribuído tanto a Afrodite, a deusa do amor dos romanos, como a Ostara. Além das origens mitológicas, o coelho é um dos primeiros animais que saem das tocas ao chegar a primavera, após um longo inverno de recolhimento, dando, portanto, a idéia de renovação da vida, que parecia estar morta durante o inverno. Ademais, por se reproduzirem com extrema facilidade e em grande quantidade, com eles houve a identificação de uma vida abundante, de um processo de restauração, um ciclo que se renova todos os anos.


A tradição do coelho da Páscoa foi trazida às colônias inglesas na América do Norte, por imigrantes alemães, em meados de 1700. Através do recurso à prosopopéia, o coelhinho “visitava” as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de encontrar na manhã de Páscoa. Esses ovos coloridos eram feitos de doce folheado e açúcar candy.


A inserção do chocolate nesse contexto simbólico da páscoa cristã também tem um componente de sincretismo. Originário da América Central e México, sendo considerado sagrado pelas culturas maia e asteca, logo se divulgou que possuía poderes afrodisíacos. Tal característica pode ter levado à associação do chocolate com a fertilidade do coelho. Com o advento da Era Industrial, a partir do século XVIII, e o aperfeiçoamento e comercialização generalizada dos produtos derivados do chocolate, houve um grande interesse comercial em achocolatar os ovos “trazidos” pelos coelhos na Páscoa.


No Brasil, tradição do coelho e dos ovos de Páscoa data do início do século XX. Foi trazida, em 1913, por imigrantes alemães. Contudo, como estamos no Hemisfério Sul, onde a Páscoa cai no princípio do Outono, essa tradição não faz qualquer sentido, até mesmo como sincretismo. Trata-se, na realidade, de uma imitação pura e simples de práticas e costumes dos povos do Hemisfério Norte. À liderança da Igreja e aos pais cristãos cabe, pois, orientar especialmente os jovens, ensinando-os o verdadeiro sentido da Páscoa.



Escrito por: Dr. José Roberto Costanza.

Coordenador de Teologia Histórica do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. Ashbel Green Simonton.

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